Como é de conhecimento público, já noticiado em diversas mídias, a Lei Geral de Licitações (Lei n.º 8.666/93) está passando por um processo de “atualização”, que data desde 1995 (PL Original 1292/95), do qual originará a “Nova” Lei de Licitações.
Aprovada em 2019 pelo Plenário da Câmara, recentemente foi a vez do Senado apor sua aprovação (em dezembro de 2020) ao atual PL n.º 4.253/2020, seguindo agora para a sanção presidencial.
O texto final ainda não está definido, o que será consolidado a partir da sua última tramitação, vez que poderá sofrer veto parcial ou total do Presidente da República.
Porém, o que se sabe é que a nova Lei de Licitações disciplinará todas as compras públicas e contratação de serviços e obras da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional, tanto da União, dos Estados e Distrito Federal, bem como no âmbito dos Municípios, menos das Empresas Estatais (Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas) que são regidas, atualmente, pela Lei n.º 13.303/16.
Primeiramente, a partir da publicação da nova lei, tendo em vista a complexidade tratada, cuja natureza exige complementação normativa específica, espera-se haver um período de “vacatio legis”, ou seja, um período para o seu adequado conhecimento e para a adaptação pela Administração Pública aos seus novos regramentos, justamente para não gerar insegurança jurídica na sua aplicação, que poderá ser concomitante – nesse período de transição – com as legislações atuais, legislações estas previstas para serem revogadas pelo novo normativo: Lei nº 8.666/1993, Lei nº 10.520/2002 e Lei nº 12.462/2011.
O período de vigência simultânea dos regramentos não é novidade, já tendo ocorrido quando da publicação da Lei das Estatais (Lei n.º 13.303/16) – esta teve um período de 24 (vinte e quatro) meses, para que todas as Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas promovessem as adaptações necessárias à adequação ao disposto na Lei.
O texto da nova Lei de Licitações procurou consolidar o “melhor” das legislações aplicáveis às compras e outras contratações da Administração Pública, quais sejam, a Lei de Licitações (Lei Federal n.º 8.666/93), a Lei de Pregão (Lei nº 10.520/2002) e o Regime Diferenciado de Contratações – RDC (Lei n.º 12.462/2011), cuja intenção foi adotar as melhores práticas para a contratação mais eficiente, ou seja, mais rápida, eficaz, econômica e menos burocrática, em prol, claro, do Interesse Público.
O novo marco legal é, sim, uma novidade e tem suas vantagens, em comparação com o atual regramento de licitações e contratos. Busca a unificação e a pacificação das normas esparsas, em prol da unicidade de condutas.
Muito embora tenha se valido da mescla dos procedimentos das legislações vigentes, essa fusão foi saudável, pois reuniu, ao menos em tese, os procedimentos mais adequados a uma boa contratação pela Administração Pública. Além do mais, procurou observar os entendimentos dos Tribunais de Contas, especialmente da Egrégia Corte de Contas da União – TCU, o que revela a boa intenção do legislador.
Dentre as novidades e adaptações, podemos citar algumas interessantes, a saber:
- Inversão de Fases (Julgamento das propostas antes da Habilitação): a exemplo do Pregão e adotado também na Lei das Estatais e no RDC;
- Possibilidade de Orçamento Sigiloso: adotado expressamente pela Lei das Estatais e no RDC;
- Obrigatoriedade de implantação de programa de Compliance pelo Licitante/Contratado: a Lei de Licitação obrigará a implementação de um Programa de Integridade no prazo de até 6 meses da assinatura de Contratos de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto;
- Criação do Agente de Contratação, como regra: a equivalência do “Pregoeiro”;
- Novos patamares para contratações diretas: R$ 100.000,00 (para Obras e Serviços de Engenharia) e R$ 50.000,00 (para serviços e compras que não envolvam engenharia);
- Elevação dos percentuais da Garantia de execução contratual: eleva-se de 5% a 10% para 5% a 20% para contratações “normais” e até 30% para contratações de grande vulto;
- Cláusula Step In de garantia: seguradora assume a execução, no inadimplemento da Contratada;
- Extinção das modalidades “Tomada de Preço” e “Convite”: permanece o Pregão, a Concorrência, o Leilão, o Concurso e, a novidade, o Diálogo Competitivo;
- A nova modalidade “Diálogo Competitivo”: inspirada na União Europeia e Estados Unidos: “conversa” entre Licitantes e Administração Pública, na busca da melhor solução para a necessidade apresentada, decorrente desse “diálogo”;
- Os tipos de licitação: Menor Preço, Melhor Técnica ou Conteúdo Artístico, Técnica e Preço, Maior Retorno Econômico, Maior Desconto e Maior Lance;
- Plano de Contratação Anual: cada Ente Federativo deverá elaborar o seu plano e ele será e divulgado e mantido à disposição do público, no qual constará análise de riscos, para o sucesso da execução contratual;
- Estipulação de Matriz de Risco: anexo ao Contrato, estabelece riscos e responsabilidades das partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato;
- Adoção de mecanismos alternativos de prevenção e resolução de controvérsias: conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem;
- Aumento substancial das penas (crimes contra a administração pública): insere alteração no Código Penal – “Dos Crimes em Licitações e Contratos Administrativos”, deixando de ser tratados na Lei de Licitações;
- Sanções Administrativas: Advertência e Multa, Impedimento de Licitar por até 3 anos (no âmbito político de sua aplicação – Federal, Distrital, Estadual ou Municipal) e Declaração de Inidoneidade de 3 a 6 anos (perante Administração Publica como um todo);
- Previsão de todos os procedimentos auxiliares: 1) credenciamento; 2) pré-qualificação; 3) Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI); 4) Sistema de Registro de Preços; e 5) registro cadastral;
- Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP: unificação da estrutura/rede nacional de contratações públicas;
- Entre outras, que podem ficar para um próximo artigo.
Como se vê, estes são alguns dispositivos que poderão ser encontrados na almejada nova Lei de Licitações, ora criados, ora adaptados a partir de mecanismos decorrentes da boa prática hoje vivida pelo administrador e pelos Licitantes.
Porém, ainda existem muitas lacunas a serem supridas, principalmente quanto ao formalismo/rigor exacerbado que, em minha análise, ainda necessário, uma vez que pode abrir brechas para o mau uso das prerrogativas atribuídas e abuso das autoridades e licitantes mal intencionados.
Só nos resta torcer que esta nova regra seja aplicada e interpretada com prudência para que nos traga resultados eficientes.
A Administração Pública um dia terá de partir da boa fé das pessoas e não da má fé. Contamos com isso!
Luiz Felipe Lago Alves, Advogado e Consultor Jurídico – Secretário Adjunto e Membro Efetivo da Comissão Especial de Direito Administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo/SP.
Em 21/01/2021.