Com nova Lei de Improbidade Administrativa, empresas querem “carimbo” de integridade
Carolina Utida, sócia e CEO da certificadora CertiGov
No último dia 26, o presidente Jair Bolsonaro sancionou, sem vetos, projeto que flexibiliza a Lei de Improbidade Administrativa e passa a exigir a comprovação de dolo, ou seja, a intenção de cometer irregularidade para a condenação de agentes públicos. Essa flexibilização é um retrocesso aos avanços conquistados até o momento, além de abrir espaço para que muitas irregularidades sejam cometidas no âmbito público.
Embora a mudança possa levar para o caminho do aumento dos índices de corrupção, com o envolvimento de empresas e do setor público, o que temos visto é que muitas companhias não estão mais dispostas a compartilharem com atitudes que possam ferir a sua integridade e têm preparado seus colaboradores para evitarem qualquer tipo de situação neste sentido. Diante deste cenário, cabe a nós, cidadãos, garantir que esses processos sejam realizados na maior transparência possível.
Se antes, a área de compliance era vista apenas como uma área que dificultava os negócios, hoje ela é essencial para que o negócio aconteça dentro das expectativas dos donos e sócios da companhia.
Manter a empresa idônea e negociar com parceiros igualmente idôneos é responsabilidade de todos e, neste sentido, o compliance tem contribuído muito para acabar com a corrupção dentro das companhias e em seus relacionamentos comerciais, privados e públicos. O mercado brasileiro está acordando para essa realidade, mas é preciso incentivo para que o movimento se torne uma prática constante e diária, superando o mero discurso.
A aprovação da Lei pode dificultar um pouco esse avanço, já que alguns funcionários públicos, mesmo sem intenção, podem acabar optando por uma empresa sem regras de compliance para facilitar o negócio que pretende realizar. Para evitar que isso aconteça, a sociedade precisa estar alerta e exigir que os serviços e produtos que consomem venham de empresas que demonstrem ter processos anticorrupção.
A mudança já vem acontecendo. Se antes o compliance era focado em grandes empresas, hoje o que vemos é um movimento de empresas de vários tamanhos e segmentos em busca de ações e soluções que atestem a sua idoneidade.
Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), mostra que entre as empresas de capital fechado com faturamento acima de R$ 1 bilhão, 56% têm uma área dedicada ao compliance. Quando o corte é feito com as empresas cujo resultado financeiro está abaixo deste patamar, o percentual é de 35,6%.
Multinacionais, empresas de capital aberto — que prestam contas ao mercado — e companhias em geral que atuam dentro de grandes cadeias de fornecimento têm exigido cada vez mais de todos os seus parceiros a comprovação de que atuam dentro dos princípios de conformidade.
Isso porque o modelo global de fornecimento abre um ponto potencialmente vulnerável para as operações dessas empresas: a possibilidade de que algum de seus parceiros não atue de forma ética e transparente. É importante ressaltar que as multinacionais estão sujeitas a regras e normas dos países onde atuam. Então é preciso ter uma política de compliance que atenda os objetivos da empresa e que também esteja em linhas com essas normas e leis externas.
A preocupação com o compliance já existe em uma série de normas e leis internacionais, que acabam servindo de parâmetro para as empresas desenvolverem suas políticas de conformidade. Exemplos são o Foreign Corruption Practice Act (FCPA), dos Estados Unidos; o UK Bribery Act (UKBA), do Reino Unido; e a Convenção de Combate à Corrupção de Agentes Públicos em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essa tendência se materializou no Brasil com a Lei Brasileira Anticorrupção (Lei 12.846/13) e as Leis de Licitações e Contratos Administrativos (leis 8.666/93 e 14.133/21). Além disso, as grandes empresas começam a exigir de seus parceiros comerciais certificações que endossem a sua integridade, selos que já existem no Brasil.
Não se trata apenas de uma questão de dizer que é ético, é preciso ser ético e ter atitudes que corroborem o discurso. O que era diferencial no passado se transformou em pré-requisito para o início de qualquer relacionamento comercial. A recusa a negócios antiéticos e a demonstração da existência de códigos, políticas, controles, condutas adequadas prévias às negociações e certificações são condicionantes a propostas. Quem não seguir nessa jornada ficará fora do jogo.