Legislação norte-americana monitora e penaliza infratores há mais de quatro décadas
Muito antes de organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) ou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) terem estabelecido suas regras de compliance e combate à corrupção – e de o Brasil desenvolver um conjunto de regras nesse sentido –, uma importante legislação dos Estados Unidos já era vista como referência nesse campo. Trata-se do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), em vigor desde dezembro de 1977, e que desde então tem sido um dos principais incentivadores da adoção de boas práticas de governança corporativa por empresas do mundo inteiro.
O FCPA é estruturado em duas partes principais. Uma é voltada às normas de transparência exigidas das empresas sob a regulação do mercado de capitais do país (o Securities Exchange Act, de 1934); e outra, às regras que concernem a pagamentos ilícitos oferecidos a funcionários públicos estrangeiros, com a finalidade de obter ou reter negócios. As normas são aplicáveis às empresas norte-americanas ou a seus representantes, e preveem responsabilidade objetiva para atos relacionados à contabilidade, e subjetiva civil e penalmente.
Vale notar que a lei também estabelece que uma empresa pode ser responsabilizada se o ato for praticado por meio dos correios ou qualquer meio utilizado para o comércio internacional que passe pelo território dos Estados Unidos – o que incluiria e-mails de empresas estrangeiras que estejam armazenados em servidores norte-americanos. Da mesma forma, companhias estrangeiras que possuam certificados de depósitos de valores mobiliários nos EUA (os American Depositary Receipts, ou ADRs), estão sujeitas à fiscalização da SEC e podem ser responsabilizadas sob as normas do FCPA.
A responsabilidade por colocar o FCPA em prática é compartilhada pela Securities and Exchange Commission (SEC) e o Departamento de Justiça do governo dos Estados Unidos. Alguns dos casos recentes de aplicação da lei incluem o pagamento de multa de US$ 450 milhões pela Siemens, em 2008; de US$ 175 milhões pela Alcoa, em 2014; e de US$ 16 milhões pela Goodyear, em 2015. Outras investigações envolveram corporações como Avon, BAE Systems, Halliburton, Daimler AG, Lucent Technologies e Hewlett Packard, entre outras.
De acordo com o diretor de Compliance da CertiGov, Daniel Leite, a preocupação dos Estados Unidos em estabelecer regras veio da expansão das operações do crime organizado – especialmente de cartéis de tráfico de drogas colombianos – na década de 1970. “Antes disso, o governo não dispunha de qualquer controle sobre grandes movimentações de dinheiro. A partir da investida dos cartéis, o governo viu a necessidade de estabelecer regras”, afirma.
Nos Estados Unidos, o Ato de Sigilo Bancário de 1970 foi o marco do esforço da nação para combater a lavagem de dinheiro. Ele exige que as instituições financeiras mantenham registros de compras em espécie de instrumentos negociáveis, relatórios de transações em dinheiro que excedam US$ 10 mil, e também relatórios de outras atividades suspeitas que possam significar lavagem de dinheiro, evasão de impostos ou outras atividades criminosas.
Efeitos globais
Uma das consequências do FCPA foi estimular a criação de programas de compliance pelas empresas, a fim de estabelecer controles, proibições e procedimentos que minimizem os riscos de a empresa descumprir a legislação anticorrupção. Outro efeito foi o de influenciar outras leis internacionais abordando o tema – como é o caso da Convention on Combating Bribery of Foreign Public Officials in International Business Transactions, da OCDE (1999); da United Nations Convention Against Corruption, da ONU (2005); e do Bribery Act do Reino Unido (2010). “A FCPA estabeleceu um roteiro, com diretrizes e parâmetros a serem cumpridos, que serviu de inspiração para outras legislações sobre o tema”, acrescenta Leite.
No Brasil, o FCPA foi uma das influências na legislação brasileira anticorrupção (lei 12.846/2013), ao lado do Bribery Act. Suas disposições são registradas na cartilha da Controladoria-Geral da União para orientar as práticas de empresas brasileiras no exterior.