Estabelecimento de Programa de Compliance Antissuborno na Empresa – “GUIA”

Sejamos diretos. Muitos de nós já entendemos que o estabelecimento de um programa de compliance antissuborno é essencial para garantir a integridade e a transparência nas operações da empresa, mas nem todos sabemos por onde começar. Minha pretensão neste artigo é relatar, com base em melhores práticas, legislação e experiência, quais pontos principais eu destacaria em um guia (que tenta ser) sucinto. Mãos à obra:

1. Comprometimento da Alta Direção

Sem a liderança e o envolvimento dos principais executivos, o programa dificilmente funcionará.

Sabe quando dizemos que a criança aprende pelo exemplo e não pelo o que lhe é dito? Aqui seria mais ou menos o mesmo. Se a liderança da empresa tem um “discurso bonito” quanto a diretrizes a serem seguidas, mas não participa das iniciativas de disseminação das regras e não aloca recursos para implantá-las, por exemplo, o programa certamente estará fadado ao insucesso.

Indo direto ao ponto, em bom português: Não dá para o sócio da empresa dizer que não tem tempo para participar de treinamento de compliance porque não é o core business da empresa e ainda assim esperar que seus colaboradores incorporem uma boa conduta de cultura antissuborno!

2. Avaliação de Riscos

Aqui novamente conseguimos fazer uma conexão com um bom gestor. Se o sócio da empresa diz: “Minha empresa não tem riscos porque só contrato gente honesta”, fica claro que ele não está entendendo do que estamos falando!

Há necessidade de uma avaliação abrangente dos riscos de suborno e corrupção tanto no setor em que a empresa está inserida quanto em todos os processos que ela adota.

De qual setor sua empresa faz parte? Quais riscos específicos esse setor representa e, dentro da sua própria empresa, quais são as áreas / os processos mais vulneráveis? Assim que tiver essas perguntas respondidads e os riscos adequadamente identificados, é hora de partir para um plano de ação para mitigá-los. Ainda, é importante ressaltar que apenas diretrizes não serão suficientes – devem existir controles internos e reavaliação periódica dos riscos, para a realização de adaptações necessárias ao próprio programa.  

3. Diretrizes da Empresa

Com base nos riscos identificados, elabore e implemente políticas e/ou procedimentos reais e claros contra suborno. Isso incluirá, provavelmente, um código de conduta, procedimentos de denúncia e regras para presentes e hospitalidades. As diretrizes   devem abranger todos que atuem em nome da empresa, desde administradores até colaboradores, sem exceção – independentemente do cargo, função ou modelo de contratação.

Os meus recados principais aqui são: Não há tamanho certo, não há necessidade de reinventar a roda e não há problema em tomar como base políticas de terceiros. Porém, é imprescindível que as diretrizes da sua empresa (i) reflitam a realidade e (ii) estejam sempre atuais. Infelizmente, na nossa experiência como empresa certificadora, já nos deparamos algumas vezes com questões que não refletem os itens i e ii.

Por exemplo, “Na pág. 10 da política, vocês citam a reunião semanal do comitê. Vocês podem por favor enviar as duas últimas atas de reunião e o regimento do comitê?” Ao que o gestor responde, “Hum, na verdade, não temos um comitê formalizado e só nos reunimos quando temos um problema”. Daí, a pergunta que fica no ar: Por que isso está escrito, então?

Outro exemplo triste é de procedimentos ou diretrizes cujas data e versão estão atualizadas, mas que citam como base leis já revogadas. Será que o documento foi revisto, a empresa toda foi treinada e ninguém reparou? Ou, talvez ainda pior, a empresa segue legislação antiga?

Parecem pontos óbvios, mas mais comuns do que se imagina, sendo fortes indícios de falhas no programa.

4. Treinamento e Comunicação

Naturalmente, todos os colaboradores, ao serem integrados na empresa, devem ter ciência das políticas antissuborno. Mas isso não é só. O conteúdo deve ser periodicamente revisto por todos para que seja assimilado de modo eficaz.

Por isso, a realização de treinamentos regulares e a garantia de que todos compreendam a importância de cumprir essas políticas fazem com que o programa seja bem sucedido.

Hoje em dia, com a facilidade do mundo virtual, existem várias formas criativas de workshops, treinamentos, webinars para disseminação de conteúdo etc. que a empresa pode implantar seguindo seu DNA mas deixando bem claro quais são as regras do jogo para se trabalhar. Ainda, um ambiente favorável de treinamento e troca de informações suscita manifestações de dúvidas, apoios e contribuições que podem ser preciosas para o bom andamento do Programa.

Outro destaque é a publicidade que a empresa pode dar ao seu Programa, por meio da incorporação de suas principais políticas e canais de denúncia em seu website, por exemplo. Isso fará com que terceiros tenham conhecimento da sua abrangência e responsabilização.

5. Monitoramento / Due Diligence

Sobre as diretrizes e o programa em si: Estabeleça mecanismos de monitoramento e controles para garantir que as políticas de compliance estejam sendo seguidas, realizando verificações periódicas e estando atento a sinais de possíveis infrações.

Sobre contratações de colaboradores e terceiros: sabe aquela avaliação inicial de riscos sobre a qual falamos anteriormente? Se não houver uma due diligence apropriada, i.e., que preencha os critérios antissuborno e anticorrupção da empresa, em relação àqueles que a representam, principalmente em cargos mais sensíveis, existirá sempre uma vulnerabilidade inerente.

Devemos ter processos seguros para evitar por exemplo, como nos relembra o dito popular, “que a raposa tome conta do galinheiro”. Há vários casos evidenciados de empresas que deixaram de cumprir esse quesito e amargaram perda de credibilidade (e de alguns milhões)!

6. Denúncia de Irregularidades e Medidas Disciplinares

É necessário que haja canais confiáveis e seguros para que funcionários e outras partes interessadas possam denunciar suspeitas de suborno ou corrupção, os quais sejam amplamente divulgados e preferivelmente anônimos.

Todas as denúncias devem ser investigadas de maneira imparcial e confidencial. Além disso, a empresa deve possuir medidas disciplinares claras para lidar com casos de suborno e corrupção.

A empresa deve assegurar não retaliação a denunciantes e que as consequências para comportamentos inadequados sejam bem compreendidas por todos os funcionários.

ÚLTIMO RECADO: O programa de compliance antissuborno deve ser sempre revisto e atualizado para garantir eficácia e relevância, levando em consideração mudanças legais, institucionais e operacionais. Ou seja, teoria e prática devem andar juntas.

Autoria: Claudia Ferrari

Diretora de Relacionamento CertiGov